segunda-feira, 1 de agosto de 2022

Júri popular

Minha gravidez não foi planejada. Eu não estava em um relacionamento sólido, não desejava ser mãe e tinha questões de saúde que sempre surgiam como grandes obstáculos quando o assunto era fertilidade. Mas isso tudo é papo pra outra hora. Fato é: eu não planejava ser mãe.

Isto posto, sou categórica ao afirmar que desde o momento em que decidi seguir com a gestação, eu não medi esforços para estudar tudo o que precisaria saber sobre gravidez, parto humanizado baseado em evidências, violência obstétrica, desenvolvimento infantil, parentalidade consciente, disciplina positiva, enfim, tudo o que fosse necessário para oferecer as condições mais adequadas possíveis ao ser humano que estava por vir.

Passei – e ainda passo – incontáveis horas buscando compreender quais seriam as necessidades do meu bebê durante cada fase de sua vida e como eu poderia me preparar para supri-las. Estudando os riscos e os benefícios dos alimentos, dos movimentos, das telas, dos objetos, das atividades. Conhecendo os pontos favoráveis e discutíveis das práticas relacionadas ao sono, à amamentação, à introdução alimentar, ao desfralde. Fazendo de tudo para escolher com carinho as diretrizes que eu adotaria na criação da pessoa que estaria sob minha responsabilidade desde o momento em que foi concebida. Isso porque quero transformar sua passagem por essa vida em uma jornada de evolução, oferecendo estabilidade e segurança para que ela consiga lidar com as adversidades e aproveitar ao máximo a viagem.

Parece um bom plano, né? Pelo menos para mim. Já para o resto do mundo, aparentemente, nem tanto.

É incrível como as pessoas se sentem tão confortáveis para opinar em questões que de forma alguma dizem respeito a elas. Como fazem críticas e julgamentos sem que ninguém tenha solicitado. E é ainda mais incrível a força brutal com que esse fenômeno ocorre na maternidade: todo mundo resolve virar especialista no assunto quando se trata de invalidar uma mãe. Não importa se a pessoa não tem filhos, não convive com crianças, não trabalha com crianças, nunca leu nada sobre infância – ela vai encontrar uma forma de se intrometer, e geralmente a pior possível.

Eu não ofereço alimentos com açúcar adicionado para a minha filha. São incontáveis as vezes em que já escutei alguém dizer “coitadinha dela!”, “vai passar vontade!”, “dá só um pedacinho!”, “que maldade com a criança!”, entre outras variações. Por que eu opto por não oferecer? Porque o consumo precoce desse ingrediente está associado à incidência de diabetes, obesidade e doenças cardiovasculares, além de alterar o paladar e não possuir o valor nutricional que ela necessita. Por que as pessoas querem que eu ofereça? Porque sim.

Eu sou adepta da cama compartilhada, o que significa que minha filha dorme comigo durante a noite. Comentários como “ela vai ficar muito dependente de você”, “criança tem que dormir no próprio quarto desde pequena”, “você está mimando a sua filha”, “não pode ficar fazendo as vontades da criança” são bem comuns por aqui. Por que eu escolhi a cama compartilhada? Porque o bebê precisa de segurança para conseguir regular o ciclo do sono de maneira natural e para garantir a amamentação noturna em livre demanda, o que também contribui para a estabilização do sono. Por que as pessoas querem que eu coloque minha filha em seu próprio quarto? Porque sim.

Agora, percebam como é curioso o fato de que as pessoas que insistem em contrariar minha decisão de não oferecer açúcar para minha filha, argumentando que “ela vai passar vontade”, são as mesmíssimas pessoas que também insistem em contrariar minha decisão de fazer a cama compartilhada, argumentando que “você não pode fazer as vontades dela”. Isso pode soar contraditório à primeira vista, mas a verdade é que faz todo o sentido.

Veja bem: se pensarmos apenas na argumentação apresentada (fazer ou não fazer as vontades da criança), parece que algo de errado não está certo. Afinal de contas, uma afirmação anula completamente a outra. Entretanto, se analisarmos a intenção por trás dos argumentos (contrariar minha decisão), percebemos que ambos vão de encontro ao mesmo objetivo: colocar aquela mãe em xeque e criticar todas as suas escolhas, nem que para isso seja necessário contradizer a si mesmo. Se não puder ajudar, atrapalhe – o importante é participar.

Júri popular

Minha gravidez não foi planejada. Eu não estava em um relacionamento sólido, não desejava ser mãe e tinha questões de saúde que sempre surgi...