Ah, a menas mãe. Sim, “menas” mesmo. Aquela que não conseguiu arrancar fora os pedaços necessários para caber dentro de uma caixinha – minúscula, diga-se de passagem – feita para receber apenas as mães que preenchem todos os requisitos para garantir um atestado de exemplo a ser seguido.
As mulheres que estão dentro da
caixinha vivem em uma bolha perfeita e intocável de fotos, vídeos e textos
maravilhosos. Elas estão lá todos os dias para nos mostrar como pode ser leve o equilíbrio entre maternidade, carreira, relacionamento, rotina de
exercícios, alimentação balanceada, tempo de lazer, saúde mental, tarefas
domésticas, vida social, e o que mais elas conseguirem enfiar nas míseras 24
horas de um dia.
Não é raro que uma mãe exemplar dessas
dê as caras no feed das suas redes sociais em um cenário mais ou menos assim:
fazendo uma pose de yoga com o bebê no sling, enquanto toma um suco verde detox
e escuta um podcast sobre finanças. Um cachorro e algumas plantas (vivas) ao
fundo acrescentam valor à composição, mas a cereja do bolo está sutilmente
descrita nas entrelinhas do texto na legenda: um belo discurso meritocrático,
recheado de palavras motivacionais, com uma generosa dose de julgamento e perigosas
pitadas de culpabilização.
Mas o que isso tudo quer dizer, você se pergunta? Quer dizer que essa mãe yogui com seu bebê no sling vai gritar aos quatro ventos que qualquer mulher tem a possibilidade de levar a mesmíssima vida que ela leva. Mais do que isso, ela vai garantir que é muito fácil dar conta das demandas da criança, da casa, do trabalho e de si própria, sem deixar nenhum pratinho se desequilibrar e cair – tudo sempre com muita leveza.
Basta você querer. É só ter força de vontade. Já pensou em acordar mais cedo?
Trabalhe enquanto eles – seus filhos, no caso – descansam. Uma rotina de mãe,
dona de casa e trabalhadora assalariada não é desculpa para comer mal. Aliás,
pare de inventar desculpa para tudo! Assuma seus B.O.s e comece a mudar esse
mindset. A vitimização da mãe solo não vai te levar a lugar algum. Se não tem
rede de apoio para te ajudar com os filhos, deixe na escola. Se o problema é
dinheiro, arrume uma renda extra. Se não tem rede de apoio para conseguir fazer
uma renda extra e, portanto, não consegue deixar na escola, PELO MENOS ESTÃO
COM SAÚDE! SEJA GRATA PELO QUE VOCÊ TEM! E. Por. Aí. Vai.
Todo esse conteúdo é construído
de forma a atingir quem está do outro lado da tela com a mesma intensidade de
uma flecha que passa rasgando por dentro do coração. E quem está lá, prontinha
para ser dilacerada por essa flechada certeira? A menas mãe. Ela, que não
conseguiu arrancar um pedaço do pé, do cotovelo ou da orelha para se espremer
dentro da caixinha das mães exemplares. Ela, que naquele dia, justo naquele
dia, até estava se saindo bem. E para uma menas mãe, se sair bem significa deitar
a cabeça no travesseiro e não se encontrar com a terrível sensação de fracasso
que está sempre pairando pelo ar. Significa olhar para o que ela faz e
conseguir reconhecer uma pequena centelha de valor em todo o seu esforço.
Significa resistir fortemente à tentação de dar uma espiada ao redor e
constatar que a grama da vizinha é muito mais verde que a sua. Isso até a
vizinha chegar com um suco detox na mão e os dois pés no peito.
Mas o pior de toda essa história
é que, nos bastidores, as mães exemplares também se sentem menas mães. Também
não conseguem se mutilar totalmente para caber num espaço mínimo e sofrem com a
insuficiência de não ser aquilo que retratam para suas centenas de milhares de
seguidoras. Mas a roda não pode parar de girar e a publi do novo chá
emagrecedor não pode esperar. Se não for essa, será outra mãe a aparecer no
clique sorrindo com seu filho de cabelos penteados, sua casa impecavelmente
arrumada e seu lindo marido de dentes brilhantes. E quando baixarem a câmera,
ninguém vai ver o bebê chorando por não conseguir dormir, nem a bagunça do
quarto toda amontoada dentro do guarda-roupa, e muito menos o marido sentado
com os pés pra cima enquanto espera a mãe exemplar dar conta de tudo sozinha.