quarta-feira, 1 de junho de 2022

Betina e a culpabilização materna

Se você também é fã de carteirinha da Déia Freitas e do seu maravilhoso podcast, o Não Inviabilize, então certamente sabe o que significa escutar uma história ganhando vida e voz a cada palavra dita, a cada bordão utilizado, a cada nome fictício criado. Seja um divertido Mico Meu, um constrangedor Pimenta No Dos Outros ou um revoltante Picolé de Limão, todos os quadros do canal guardam histórias que tanto nos evolvem não apenas por causa do ritmo perfeito estabelecido pela narradora, mas exatamente por compartilharem o que existe de mais profundo em nosso ser: a experiência humana.

Betina, a mãe da história que Déia nos conta essa semana, é uma mãe cansada. Afinal, uma mãe nunca é apenas uma mãe; ela é uma mãe acompanhada das mais nobres virtudes - mãe guerreira, mãe devota, mãe exemplar - ou das mais desprezíveis falhas - mãe negligente, mãe egoísta, mãe ocupada.

O marido de Betina pediu o divórcio quando sua filha tinha apenas um ano de idade e desde então ela assumiu toda a responsabilidade pela criação, pela educação e pelos cuidados da menina. Toda a rotina das manhãs, das tardes e das noites eram feitas por Betina. De questões práticas, como alimentação, sono, higiene, a questões sentimentais, como momentos de carinho e brincadeiras. Adaptação escolar, desfralde, convívio social. Pré adolescência, mudanças corporais, rotina de estudos, novas responsabilidades, início da vida amorosa. Isso para mencionar apenas um punhado da vida da filha que era tutelada por Betina.

O pai? Passava muito bem, obrigada. A cada 15 dias ele se encontrava com a filha durante o final de semana para desfrutar dos momentos de lazer. Não estabelecia limites, não delegava obrigações, não exigia comprometimento, não exercia em sua vida um décimo da função que Betina exercia. Oferecia afeto e companhia, é verdade, mas uma filha precisa de muito mais do que isso. Não é de se admirar que ela gostava tanto da liberdade do pai e amargurava tanto o controle da mãe.

Ao ter seu desejo de realizar uma festa de quinze anos em meio à pandemia de Covid-19 negado pela mãe e incentivado pelo pai, a filha teve um acesso de raiva e fez uma postagem nas redes sociais relatando como era difícil conviver com uma mãe sufocante, que frustrava suas expectativas, e como gostaria de ir morar com seu pai, tão compreensivo e acolhedor. Foi uma decisão sofrida, mas Betina acatou ao pedido da filha e ela se mudou de mala e cuia para a casa do pai.

Após se martirizar com a mudança da menina e chorar por 10 dias seguidos, Betina começou a abrir os olhos e perceber como poderia transformar essa nova fase de sua vida em algo positivo. Como poderia parar de investir completamente seu tempo, sua energia, seu dinheiro e sua atenção na filha e se dedicar um pouco mais a si mesma. Como poderia reencontrar um equilíbrio entre seus papéis de mãe e mulher, sem deixar sobrar de um lado e faltar do outro. Ela passou a receber a filha quinzenalmente aos finais de semana e a pagar o valor da pensão, exatamente como o pai fazia. A relação entre elas melhorou muito, ao passo em que a convivência da filha com o pai começou a se complicar, pois ele lhe impunha tarefas domésticas e era bastante rigoroso com sua rotina de estudos.

A menina pediu para voltar atrás em sua decisão e retornar à casa de Betina, mas ela não aceitou. E aqui quero deixar bem claro que o ponto central da história não diz respeito às atitudes de uma adolescente que não tem maturidade emocional o suficiente para medir consequências e ser totalmente coerente em suas escolhas. O ponto mais relevante de toda essa história sequer está na própria história, mas sim na enxurrada de críticas que Betina vem recebendo por ter permitido que a filha fosse morar com o pai (não com o VIZINHO, o PADEIRO, o TIO DISTANTE DE QUINTO GRAU, mas com o PAI). Por estar começando a se dedicar a si mesma. Por estar vivendo uma vida que não se resume à maternidade. Por estar se comportando exatamente da mesma forma que o pai se comportou durante todos esses anos sem nunca ter sido criticado.

Por que a mãe que escolhe priorizar a carreira é egoísta e a mãe que escolhe deixar a carreira de lado para cuidar dos filhos é uma dondoca sem ambições? Por que a mãe que cuida do corpo, da saúde e do bem estar é fútil e a mãe que não consegue manter uma rotina de autocuidado é desleixada? Por que a mãe que deixa os filhos com alguém de sua confiança para sair com as amigas é irresponsável e a mãe que não tem vida social é uma coitada?

Porque a mãe não é o pai.

A mesma legitimidade que oferece direitos exclusivos a um pai também cobra deveres exclusivos de uma mãe. A mulher é condenada pelos mesmos motivos que o homem é aplaudido, e a maternidade está aí para escancarar essas desigualdades. Betina merece mais respeito. Você, mulher e mãe, merece muito mais respeito.

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